O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT/RS),
está com um grande abacaxi nas mãos. Nesta semana, o presidente da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania - CCJC, o deputado Ricardo Berzoini (PT/SP), deu seguimento a um requerimento do deputado Alessandro Molon (idem), para que um projeto de lei que, por
regra, deve ter seu mérito analisado pela Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado - CSPCCO seja também apreciado meritoriamente pela
CCJC.
A proposta, considerada das mais simples pelos especialistas
na área, é o PL 6.971/10, do deputado Milton Monti (PR/SP), que apenas modifica
as condições de tráfego das armas de colecionadores e atiradores desportivos,
permitindo-lhes seu porte. Após grande discussão sobre seu conteúdo, inclusive
uma histórica audiência pública na CSPCCO, o entendimento geral foi pela adequação e conveniência
da proposta, que atualmente aguarda uma revisão de voto por seu relator, o
deputado Édio Lopes (PMDB/RR), e já conta com um voto pela aprovação integral,
proferido pelo deputado Guilherme Campos (PSD/SP).
A iminente aprovação do projeto na Comissão de Segurança Pública, contudo, parece ter desesperado o deputado Molon, que, assumindo uma cruzada pessoal contra a categoria beneficiada, luta de todo modo para tentar impedir sua conversão em lei, mesmo para tanto se recorrendo a meios nada convencionais, como esse requerimento de verdadeira “revisão” pela CCJC do que a Comissão de Segurança Pública decidir.
Encarada por muitos, inclusive parte de seus pares na
CSPCCO, como golpista e uma traição à comissão que integra, a manobra do
deputado Molon vem causando grande mal-estar na Câmara, já que tende a desautorizar
uma decisão legal e formalmente alcançada.
Além disso, cuida-se de um requerimento considerado
extremamente frágil e desabrigado pelo Regimento Interno da Câmara. Essa é a
opinião do diretor para colecionadores e atletas da ONG Movimento Viva Brasil,
Fabricio Rebelo. Com formação jurídica e boa experiência em processo
legislativo, Rebelo aponta que “não há absolutamente
nenhum fundamento para o pedido, que se baseia na tramitação de um projeto de
lei anterior, de conteúdo muito mais amplo e que não se identifica com a
proposta agora debatida”. O jurista esclarece que o requerimento do
deputado Molon é para que o PL 6791/10 tenha a mesma tramitação da lei
10.826/03, o “estatuto do desarmamento”, cujo objeto é muito mais amplo. “O Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
em seu art. 32, IV, é claro ao estabelecer as hipóteses de análise de mérito pela Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, e o PL 6971/10 não tem nenhuma das matérias ali previstas,
sobretudo porque altera apenas um artigo da Lei 10.826/03”, afirma.
Rebelo ainda aduz que “a
tese do requerimento do deputado Molon é a de se aplicar uma analogia na
tramitação do projeto, para que este siga o mesmo rito da lei que modifica, o
que é completamente descabido e de uma fragilidade até infantil. O que define a competência de mérito para a
análise de um projeto é seu conteúdo, não o rito que eventualmente se tenha
empregado a qualquer outra proposta”. Para o jurista, admitir o
requerimento seria o verdadeiro absurdo: “se
formos seguir a tese do requerimento, o Congresso jamais poderia aprovar uma
proposta de emenda à Constituição, pois que o rito para a aprovação desta é a
convocação de uma assembleia constituinte. Seria, então, necessário que toda
PEC fosse analisada por esta mesma assembleia, o que é completamente impensável”,
pondera.
Ainda segundo o jurista, diversos outros projetos que
alteraram o estatuto do desarmamento tramitaram sem análise de mérito pela CCJC
e, caso agora se acolha o requerimento do deputado Molon, se criará uma
insegurança jurídica quanto à sua validade. “Serão todos anulados ou questionados junto ao STF por vício no
processo legislativo?”, indaga Rebelo.
Embora a opinião do jurista seja compartilhada por
vários outros especialistas consultados, a decisão da presidência da Câmara
pode não ser tão técnica. Nos bastidores, comenta-se que o Ministério da
Justiça estaria pressionando pela aprovação do requerimento, apostando na
derrubada da proposta na próxima comissão. Caberá, assim, ao Deputado Marco
Maia descascar esse grande abacaxi, aderindo à técnica ou ao jogo político, por
mais baixo que pareça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário