Por Fabricio Rebelo
A divulgação de que saíram das armas dos policiais os tiros que feriram os turistas em Nova Iorque, no tiroteio do último dia 24, tem causado severas críticas à atuação do departamento de polícia daquela cidade, gerando um forte questionamento sobre a preparação de seus agentes para enfrentar a realidade das ruas. Contudo, o que poucos sabem é que, nesse fatídico caso, a polícia também pode ser uma vítima.
A atuação policial no episódio foi desastrosa, sem nenhuma dúvida. O vídeo da abordagem mostra policiais beirando um ataque de pânico ao se aproximarem do, até então, suspeito, e até mesmo a negligência na adoção dos cuidados mínimos que um procedimento assim exige. Eram, nitidamente, policiais não treinados para aquele tipo de operação.
Mas é possível admitir que a polícia de Nova Iorque não seja bem treinada? Sim, infelizmente é.
A polícia novaiorquina já foi exemplo mundial de eficiência, especialmente na década de noventa, quando, sob o comando do prefeito Rudolph Giuliani, ali se implantou a famosa política da "tolerância zero", com a qual, em curtíssimo espaço de tempo, se conseguiu reduzir os homicídios na cidade em 65% e os crimes em geral em mais de 57%. A polícia virou sinônimo de sucesso, reconhecido até pelo FBI.
Junto com o sucesso, contudo, vieram, especialmente de setores oposicionistas a Giuliani, as críticas por uma suposta atuação policial com desrespeito aos direitos humanos. Ações enérgicas da polícia, legítimas ou "fabricadas", passaram a ser invocadas para mostrar que, a pretexto da redução de crimes, direitos e liberdades dos cidadãos estariam sendo violados. Era a contaminação pelo politicamente correto, mesmo diante de resultados tão positivos na pacificação social.
Desde então, a realidade policial em Nova Iorque muito se modificou. Parecer mais próxima do povo e verdadeiramente cidadã passou a ser uma preocupação antes inexistente, tudo para recuperar a boa imagem da corporação, salvando-a de um dano que, aos olhos da maioria da população, jamais sofrera. As consequências não se limitaram ao aumento da criminalidade, que levou a cidade a índices significativamente superiores à média nacional, mas também atingiram a própria forma de agir e a preparação de seus policiais.
Hoje, Nova Iorque tem como prefeito Michael Bloomberg, um político acidental, que tem origens legítimas em atividades de mídia e que, antes de tudo, é um ideólogo desarmamentista, ferrenho defensor de restrições ao direito assegurado pela segunda emenda da constituição americana, a ponto de, logo após o tiroteio, ter ido a público para condenar as armas pelo evento, sem saber que as únicas a ferir terceiros foram as da polícia.
Sob o comando de Bloomberg, a polícia novaiorquina passou a atuar de modo muito diferente dos - para muitos saudosos - idos do prefeito Giuliani e, agora, tudo se faz para evitar um confronto letal. O treinamento da polícia da "grande maçã" é hoje centrado em técnicas de não letalidade, com a crescente utilização de armas e equipamentos de imobilização de baixo impacto, como os já famosos - e nem tão inofensivos - tasers (armas de choque). O resultado disso é que, paulatinamente, policiais estão se afastando do combate real das ruas, verdadeiramente desaprendendo a técnica que se exige para revidar um ataque potencialmente letal.
Logo, quando uma ação como a da última sexta-feira é necessária, pois somente com armas de verdade se poderia neutralizar o agressor, os policiais simplesmente não sabem exatamente o que fazer. Se aproximaram errado, deram tiros demais, atiraram em angulação incorreta, não livraram os alvos secundários, enfim, erraram muito. São culpados? Sim, não se pode livrar a responsabilidade de quem puxa o gatilho, seja lá em que situação for. Mas são os únicos ou os maiores responsáveis? Não, definitivamente.
O grande responsável pelo evento fatídico da quadra do Empire State Building é o treinamento que hoje é dado ao policial de Nova Iorque, para quem sorrir tornou-se mais importante do que agir.
O episódio ainda será muito debatido, sem dúvida, e certamente muito se questionará sobre a atuação e o preparo da polícia, mas a primeira certeza que fica é a de que, no mundo real, onde os agressores atiram para matar, a polícia tem de estar muito bem preparada para fazê-los morrer. Não se combate tiros de verdade com armas de choque, não se reduz violência com passeatas de roupa branca e pombas da paz. O mundo real não comporta ideologias, exige ações. Giuliani sabia bem disso e está deixando cada dia mais saudade.
O episódio ainda será muito debatido, sem dúvida, e certamente muito se questionará sobre a atuação e o preparo da polícia, mas a primeira certeza que fica é a de que, no mundo real, onde os agressores atiram para matar, a polícia tem de estar muito bem preparada para fazê-los morrer. Não se combate tiros de verdade com armas de choque, não se reduz violência com passeatas de roupa branca e pombas da paz. O mundo real não comporta ideologias, exige ações. Giuliani sabia bem disso e está deixando cada dia mais saudade.
Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor da ONG Movimento Viva Brasil e colaborador do blog @DefesaArmada.
>> Texto de livre reprodução, desde que na íntegra e preservando-se a indicação autoral.