Cumprindo uma promessa feita a seus seguidores na rede social Twitter, o deputado federal Rogério Peninha Mendonça apresentou, na última quinta-feira (19), o projeto de lei nº 3722/2012, estabelecendo um novo modelo para a regulamentação de armas de fogo no país e revogando o atual “estatuto do desarmamento”. Como esperado, o texto revela um estudo aprofundado do tema, com nítida prevalência dos aspectos técnicos que sobre ele incidem, respeitando a opção popular manifestada quando do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munições (2005), mas sem abrir mão de um controle rígido e eficaz do Estado sobre as que são postas em circulação.
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PL 3722/2012: "Direito à legítima defesa passa a ser a regra, não a exceção" (Fabricio Rebelo) |
Imediatamente após a apresentação do projeto, começaram a surgir as manifestações a seu respeito, sendo elas, em sua quase absoluta totalidade, de apoio incondicional ao texto, sobretudo daqueles que vinham acompanhando o desenrolar do assunto. Ainda assim, como é natural acontecer nestes casos, algumas dúvidas passaram a surgir a respeito do conteúdo da proposta, e foi para tentar esclarecê-las que o @DefesaArmada entrevistou o pesquisador em segurança pública Fabricio Rebelo, diretor da ONG Movimento Viva Brasil, entidade envolvida na elaboração do PL 3722/12.
@DefesaArmada – Imediatamente após a apresentação do PL 3722, se viu um onda de comemoração daqueles que acompanharam o assunto pelas redes sociais. Há mesmo motivo para isso?
Dr. Fabricio Rebelo – Há, sim. O PL apresentado pelo deputado Peninha representa a quebra de um paradigma ideológico na regulamentação das armas de fogo e munições no Brasil, pelo qual se estabeleceu a regra de proibição à posse e, sobretudo, ao porte de armas pelo cidadão, o que restou claramente rejeitado no referendo de 2005. O que o PL propõe visa respeitar a vontade externada pela população, e isso deve, sim, ser comemorado.
DA – Mas o referendo de 2005 não foi apenas sobre o comércio de armas e munições no país?
FR – Esse foi o núcleo da pergunta feita ao cidadão. Porém, muito mais do que uma simples consulta sobre um dispositivo da lei, o que se pôs em jogo foi toda a concepção ideológica sobre a qual se construiu o atual estatuto do desarmamento, pois todo ele tem como base o banimento das armas de fogo no Brasil. Como o banimento foi maciçamente rejeitado, toda a lei perdeu o sentido.
DA – A liberação das armas de fogo é combatida por entidades desarmamentistas e pelo próprio Ministério da Justiça. Isso não seria, mesmo, um risco para a sociedade?
FR – Definitivamente, não. O desarmamento vem sendo tratado como uma mera ideologia, sem estudo técnico, mas o fato é que não há nenhuma experiência desarmamentista em todo o mundo que tenha tido êxito na redução da violência. Ao contrário, em todos os países que a puseram em prática, o que se viu foi um grande aumento da criminalidade. Aqui mesmo, no Brasil, isso restou claramente comprovado, pois, desde que se começou a implantar legislações proibitivas, a venda de armas de fogo e munições caiu mais de 90% e, no entanto, a criminalidade, especialmente os homicídios, continua crescendo. É a prova cabal do fracasso do desarmamento.
DA – Com todos indistintamente armados, não há risco de que esse quadro se torne ainda pior?
FR – É preciso deixar claro que o PL 3722 não propõe liberação indistinta das armas para a população, nem perto disso. Armas e munições, pela nova proposta, continuam sob rígido controle do Estado, inclusive com ampliação da forma de atuação do Sinarm, agora difundido entre as polícias estaduais. Então, não há esse cenário de liberação geral das armas, em absoluto. O que o projeto prevê é o direito do acesso responsável do cidadão às armas como meio de defesa, dentro da lei e sob o controle do Estado, e isso não representa qualquer risco social. Aliás, a própria ONU já reconhece isso, conforme deixou claro em seu último e maior estudo sobre violência urbana, o “Global Study on Homicide”, publicado no ano passado.
DA – A tese de desarmamento não é da própria ONU?
FR – Sim, e é isso que torna tão relevante o conteúdo do estudo a que me referi. A ONU é a mãe da teoria do desarmamento e quando ela própria registra não haver prova de que ele funcione e que, ao contrário, pode ser que mais armas signifiquem menos crimes, isso é extremamente relevante, absolutamente emblemático. Neste sentido, o PL de que falamos está em compasso com a melhor técnica de segurança pública.
DA – Se a nova lei não tornará livre o acesso do cidadão às armas, qual é, então, o seu maior mérito?
FR – A mudança da premissa central sobre armas. Hoje, a regra é a proibição, com raras exceções; pela nova proposta, a regra passa a ser a permissão mediante critérios técnicos e bem definidos. Direito a legítima defesa passa a ser a regra, não a exceção.
DA – O projeto já é alvo de críticas?
FR – Ainda não tenho conhecimento de críticas embasadas sobre ele, mas é natural que elas surjam, em face de sua extensão e da relevância do tema que regula. Sabemos que surgirão fortes críticas daqueles que defendem o desarmamento por mera ideologia e mesmo dos que, sendo contra o desarmamento, podem se sentir não amparados da forma que gostariam. Isso, repito, é natural e é importante deixar claro que a aprovação de um PL assim não é simples, tampouco rápida. Muita discussão ainda será travada sobre ele e todos os aperfeiçoamentos que se mostrem necessários serão feitos, seja por proposta do próprio autor, seja por emendas, mas tudo a seu tempo. É este o processo legislativo, com toda a negociação que envolve.
DA – Por falar em negociação, como foi negociada a apresentação do projeto?
FR – Acompanhei, pelo Movimento Viva Brasil, a, digamos, gestação desse projeto e não chegaria a dizer que houve uma negociação para sua apresentação. O que houve foi a manifestação do deputado Peninha no sentido de ser contra a política de desarmamento e sua disposição para apresentar uma proposta revogando a lei atual. A partir disso, os contatos foram mutuamente feitos e o deputado solicitou apoio técnico ao MVB, no que foi atendido, mas quem bancou o projeto foi ele, o projeto é de sua autoria.
DA – Antes mesmo da apresentação, muito já se falava sobre o projeto. Como a informação vazou?
FR – Não é certo falar em vazamento, pois não havia nenhum segredo na elaboração do projeto. O deputado Peninha tem forte atuação nas redes sociais e nelas já havia anunciado por diversas vezes a elaboração da proposta. Além disso, na Câmara, o texto foi previamente encaminhado à Consultoria Legislativa para análise e formatação, e neste processo não há previsão de sigilo. O projeto, pode-se dizer, não teve nenhum tratamento especial, seguindo, até agora, as fases naturais de elaboração.
DA – De um modo geral, como o senhor avalia o PL?
FR – Considero o projeto extremamente positivo, pois promove a ruptura com um modelo testado e reprovado, prestigiando a vontade do cidadão brasileiro e, principalmente, a técnica sobre a questão, especialmente sob o prisma da segurança pública. Ao contrário do atual estatuto do desarmamento, aprovado sem qualquer discussão técnica ou aprofundamento do tema, este PL já demonstra a preocupação de seu autor na minuciosa análise do assunto, propondo toda uma nova sistemática regulatória para as armas de fogo e munições, sem contaminação ideológica. No curso de sua tramitação, é inevitável que alguns ajustes sejam feitos, mas o texto inicial é excelente e merece elogios.
DA – E o que esperar de sua tramitação?
FR – A apresentação de um projeto de lei é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada e é difícil prever o que acontecerá neste curso. Entretanto, quando uma proposta nasce bem fundamentada, como é o caso do PL 3722/12, sua discussão se torna mais objetiva e, neste caso, deverá se resumir a aspectos pontuais, já que a estrutura regulatória proposta é muito positiva. Mas será um longo caminho, que pode levar anos.
DA – O senhor acredita na aprovação deste PL?
FR – Sim, plenamente, mas isso dependerá diretamente do apoio que for manifestado pela sociedade brasileira. Pelo que tenho acompanhado, essa proposta nasceu e será conduzida pelo anseio popular, e para isso o legislador não poderá dar as costas.