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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O flerte do senador com a tirania.


Vez por outra, a História nos revela personagens que nitidamente demonstram não se contentarem com sua condição de humanos, se arvorando a posturas dignas de deuses, como se detentores da verdade universal fossem. O postulante à divindade da vez é o senador Cristovam Buarque (PDT/DF), autor do Projeto de Lei do Senado de número 176/2011, que simplesmente ignora uma das mais expressivas votações que já se obteve no Brasil, para impor sua convicção ideológica pessoal.

Pelo projeto do senador, a venda de armas e munições será proibida no Brasil, simples assim. Sua justificativa – de uma pobreza técnica infantil – é a de que o comércio de armas estaria contribuindo para o aumento da violência e que o referendo sobre o assunto, realizado em 2005, não teria apresentado o resultado “correto”. Isto mesmo, o senhor senador aponta que 60 milhões de brasileiros, ou 64% do eleitorado do país, simplesmente não souberam votar e o que vale é sua vontade e sapiência pessoais. Afinal, trata-se de uma divindade, ora!

Seria apenas patético, coisa típica das senilidades deturpadoras do pensamento racional, se não fosse um verdadeiro estupro à democracia. Nenhum detentor de mandato pode assumir feições tirânicas, para simplesmente sobrepujar a vontade extraída das urnas. Até porque, se assim o for, que segurança terá a nação sobre o respeito às suas opções eletivas? Quem vai julgar quais votações foram corretas e quais foram “erradas”? O senador responderia que ele próprio, por certo.

A proposta não é apenas tirânica, ao ignorar o fundamento basilar da democracia, consistente no voto, é também tecnicamente absurda. Hoje, absolutamente todos os estudos técnicos mostram que o comércio legal de armas não tem nenhum impacto no aumento da criminalidade, a ponto de a ideia ter sido abandonada pela própria ONU, no “Estudo Global de Homicídios” (Global Study on Homicide), o maior e mais completo já realizado sobre a criminalidade fatal no mundo. Ao contrário, a julgar pelo que mostram todos os números, reduzir o comércio legal de armas, retirando a possibilidade de o cidadão a elas ter acesso, aumenta muito a criminalidade e os homicídios.

Basta que se olhem os números do Brasil (este país sobre o qual o senador parece gravitar). Desde que as primeiras leis restritivas à posse a ao porte de armas foram aqui implantadas, o comércio de armas e munições foi reduzido em mais de 90%, restando, em 2010, 280 das 2400 lojas especializadas registradas pela Polícia Federal no ano 2000. No entanto, os homicídios seguiram o caminho inverso. Em 2000, o Brasil, segundo os números do Mapa da Violência, registrou já assombrosos 45.360 homicídios; em 2010, foram 49.932, um aumento de mais de 10%. Onde está a relação entre comércio de armas e homicídios?

Não há qualquer dúvida de que o projeto não tem o mais remoto apego à técnica, muito menos está comprometido com a proteção à vida do cidadão. Trata-se de uma repugnante manifestação de totalitarismo, uma vil tentativa de um congressista sobrepujar o desejo do povo para a ele impor, sabe-se lá com quais intenções, sua ideologia.

A proposta segue com uma reprovação superior a 90% nos sites de pesquisa especializados e tem gerado um número recorde de manifestações de repúdio em todos os canais em que aparece, especialmente nas redes sociais. Mas isso não deve abalar o propósito do senador, já que, para ele, o povo não sabe votar.

Diz a Constituição Federal, já em seu art. 1º, que “todo poder emana do povo”. A julgar pelo comportamento do senador Cristovam, esse é um grande erro no ordenamento jurídico brasileiro, pois o poder deve emanar dos deuses, na Terra por ele representados.

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Por Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor da ONG Movimento Viva Brasil e colaborador do blog @DefesaArmada.

>> Texto de livre reprodução, desde que na íntegra e preservando-se a indicação autoral.